domingo, 11 de abril de 2010

O Esplendor do Martírio

Frases em um papel. Um poema? Um manifesto?Todas desconexas,ou não? Assim começa o filme em Super 8mm de Sérgio Péo,takes de pedaços amassados de papel escritos a mão. O filme em si é um poema, de imagens. Registros de uma cidade vazia, arquiteturas imponentes revelando o progresso,mas qual progresso?O tal da ordem?
Esplendor do Martírio é de 1974, ano da “lenta,gradual e segura” abertura política do general Geisel,uma promessa frente às barbaridades do AI5 mas que se revela neste primeiro momento um desastre pois a linha dura não cede,e sim aumenta o cerco. Pirotecnia do governo?Em uma das primeiras cenas Péo filma um negro vestido de forma extravagante cercado por alguns populares, ele cospe fogo e se contorce, seu combustível está em uma garrafa de Coca-Cola,ela merece um close, por que não?Estamos já bem acostumados a cultura norte-americana, para o bem e para o mau ( a CIA não foi braço direito e esquerdo das ditaduras latino-americanas, com medo da influencia cubana?). Faz alguns anos que Caetano Veloso tomou sua Coca- Cola e sua alegria de cores foi-se embora. Os tempos são outros, sobrou o vazio, das ruas,da esperança, dos projetos. Muitos foram para o exílio,outros ficaram e sofreram na própria carne, seriam mártires?Temos nosso personagem herói, muito magro, de cabelos longos,como Cristo, e vestido todo de vermelho ( cor do sangue,cor do inimigo comunista), ele vaga pela cidade fantasma,dança com sua arquitetura. Uma garota abre cartas, um punhal e uma luva militar,cada um de um lado da linha desenhada com tinta branca da avenida. Seria este seu destino,a luta?Ele o encontra em um ato solitário e simbólico. De frente para praia existe uma estátua, a mesma que aparece alguns takes antes em um jornal onde se lê “monumento ao herói”.Monumentação da História. Quem detém o poder cria imagens oficiais, a Verdade. No caso de uma ditadura militar é preciso se perguntar que herói está sendo construído.Se o herói representa um ideal,que ideal é este a ser perpetuado por uma estátua na orla ? Algo que entra em choque com os ideais do herói do filme. Sozinho ele ataca o monumento de forma quixotesca, mas ao invés de parecer violento, se assemelha mais com um ritual,uma dança em volta da figura branca, a câmera acompanha como observador a luta, em câmera lenta vemos o herói se debater contra o monumento depois contra um guarda que vela pela integridade da figura. Ele é preso e levado por uma viatura, poucos transeuntes assistem a cena. O herói e o anti-herói, quem é quem neste jogo de cenas?
Péo termina seu Esplendor do Martírio com cenas de flores, carregadas pela jovem cartomante, e jogadas em um espaço com papéis escritos. Remetem à sepultura. “For long you live and high you fly, but only if you ride the tide, and balanced on the biggest wave, you race towards a early grave”. Um trecho de Breathe, música do album Dark Side of the Moon, que toca inteira no filme juntamente com outra faixa do mesmo disco, Money. Elas criam o clima do curta, pontuam, a sensação de psicodelia criada pela musica juntamente com imagens em câmera lenta ou que esgarçam o tempo nos dão uma noção de irrealidade em algo muito real, a ditadura. Sabendo que os filmes de super 8mm são registros do cotidiano, atos performáticos, é impossível não ficar incomodado com a prisão do jovem pois não se trata se uma cena fictícia, alguém foi preso de verdade. Neste momento somos confrontados com a realidade e as flores logo a seguir dão um tom melancólico à dança ritualística das imagens e do herói. A ultima cena,uma provocação, escrito em letras de forma ONDE VOCE ESTÁ?

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Os Inquilinos

Filmes novos de Sérgio Bianchi são sempre acontecimentos pois muitos torcem o nariz de saída antes mesmo de sua exibição. Não para menos, o diretor sempre tão polemico em suas obras costuma receber reações extremadas do público e crítica,reações estas iguais ao clima criado por ele em película, tudo é “oito ou oitenta”, não existe meio termo, o que torna toda história fraca e pueril. Os Inquilinos vem sendo saudado justamente como uma mudança de rumo, o encontro de equilíbrio na sua forma violenta de ver os acontecimentos sociais brasileiros, oprimidos e opressores,muito distintos e separados. Entretanto trata-se mais de uma promessa do que um ato concreto de fato. A boa idéia de montar um terror psicológico com forte carga social esbarra no didatismo sempre presente em seus filmes e na visão simplista dos acontecimentos.
Em uma casa temos a “família de bem”, o chefe de família honesto e trabalhador com dois filhos, na casa ao lado novos vizinhos, jovens e arruaceiros. O longa se passa no mesmo período quando ocorreram os ataques do PCC em São Paulo, 2006,mas aqui a facção recebe o nome de Partido, dando margem a ambigüidade de seu propósito.Quem estava na capital paulista durante o período sabe o terror infligido pelos criminosos a população, principalmente na periferia onde os ataques foram piores, é este clima de medo e insegurança que Bianchi quer explorar na dualidade entre os vizinhos. A família morre de medo da favela, tão perto fisicamente de seu bairro, invadir de fato suas vidas e os novos moradores vindos de lá tornam esta ameaça mais concreta.
Os Inquilinos caminha bem enquanto o terror de ter ao lado possíveis marginais é apenas uma suspeita. Vemos Walter, o patriarca, definhando cada vez mais por não saber como poderá proteger sua família de um perigo tão eminente,por ser tão impotente frente a realidade violenta que o cerca. O espectador se coloca em seu lugar, a duvida crescente sobre a segurança da casa torna-se a do publico, o medo de não reconhecer o outro,de não identificar quem mora ao lado. Entretanto esta realidade hiper aumentada pelas lacunas deixadas pelo roteiro na primeira metade da trama dissipa-se quando descobrimos que sim, os vizinhos são uma ameaça real. A partir deste momento a boa discussão sobre como a cidade grande e o abismo social não permite o contato com o outro perde sentido e torna-se a crônica de uma tragédia anunciada.
Soma-se os clichês abundantes como a cena em que Walter urina em torno de seu muro enquanto olha para seu cachorro,ou o personagem de Caio Blat como alter-ego do diretor, dando voz as mazelas da periferia.
Bianchi tem uma boa idéia, entretanto é incapaz de deixar de lado a verborragia.