segunda-feira, 6 de setembro de 2010

O terceiro mundo vai explodir... E só as baratas sobrarão!

Revendo esta ótima animação no último Festival de Curtas de SP, resolvi escrever umas breves palavras, que ficam como dica para os que gostam de animação, documentário, Hqs e o que mais acharem de tema dentro do filme!

A questão da linha tênue que divide os campos do documentário e da ficção é um assunto recorrente ao se tratar de um filme considerado como um documentário de animação, como é o caso do premiado curta-metragem “Dossiê Rê Bordosa” (2008), do diretor brasileiro César Cabral.
O cineasta trabalha de maneira inusitada e criativa a narrativa, invertendo o que seria uma entrevista comumente empregada nos documentários em um depoimento típico do gênero policial de ficção. O gênero de entrevista tornou-se quase que uma premissa narrativa no documentário contemporâneo, principalmente entre os brasileiros. Nesse contexto, muitos cineastas a trabalham de forma inventiva, até mesmo a contestando ou mesmo subvertendo sua fórmula.
O documentário animado vem ganhando espaço nos últimos anos, não só por experimentar na forma, mas também inovando na própria linguagem do documentário. Só para citar, temos os conhecidos longas “Persépolis” (2007), da cineasta e quadrinista iraniana Marjorie Satrapi (baseado em sua HQ homônima); “Valsa com Bashir” (2008) do israelense Ari Folman, sendo que ambos partem de narrativas biográficas. No que diz respeito aos curtas e sua maior liberdade para experimentações, temos um ótimo exemplo brasileiro de “O Divino, de repente” (2009), que vem colecionando prêmios nos festivais.
Com um tom investigativo, “Rê Bordosa” colhe depoimentos de personagens reais, que são substituídos ao final por bonecos de massinha filmados com a ótima técnica de stop motion. Mais do que pensar no conteúdo da história que nos é contada, “Rê Bordosa” nos presenteia com uma forma muito bem elaborada do como essa se desenrola.
Influenciado por diversos elementos importantes na história de nosso cinema, seu mote é investigar o assassinato da famosa personagem fictícia das “tirinhas” brasileiras (que dá titulo ao filme) em 1987 – em seu auge de popularidade – por seu criador: o cartunista Angeli. O filme se estrutura através de entrevistas realizadas com o próprio Angeli e com pessoas que conviviam com o mesmo naquela época, além de reconstituições que rememoravam o caso, para tentar desvendar o crime.
A narração em voz off tem uma referência clara ao cinema marginal paulista dos anos 1960 (por sua vez influenciado pelos programas policiais da rádio nos anos 1950), mais especificamente ao “Bandido da Luz Vermelha” de Rogério Sganzerla. O underground paulistano do clássico marginal cai muito bem nesse diálogo com o submundo dos anos 80 característico das histórias e personagens de Angeli, sabiamente transposto para a misé-en-scene de “Rê Bordosa”.
Há uma sequência dedicada ao personagem Bob Cuspe – testemunha ocular do crime – em que a personagem (tratada aqui do mesmo modo que as personagens reais) ao narrar os fatos testemunhados, tem sua memória ativada e vemos a reconstituição do assassinato: um cenário soturno e literalmente do submundo, onde Bob transita pelos esgotos da cidade sob uma trilha punk bem periférica, num clima de cinema noir decadente.
Se o crime foi desvendado pelos investigadores, nada sabemos, mas podemos dizer que a animação empregada como recurso estético deste que é mais que um documentário, foi a melhor opção e, mais que isso, a principal atração desse bem realizado curta.

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