segunda-feira, 28 de setembro de 2009

O Anti-Cristo

"Tudo depende dos céus,à excessão de um pequeno numero de sábios,capazes de resistir à paixões por eles provocada" ( Dicionário do Ocidente Medieval)

Quando Lars Von Trier apresentou seu filme em Cannes os jornais o anunciaram como um filme de terror. Não o vejo assim,mas sim como um filme simbólico que como tal traz elementos que escapam ao convencional,uma ligação com o inconsciente. O diretor cria um universo imagético através de seus dois personagens com profunda conexão com cristianismo medieval.
Se desde Os Idiotas o Homem não é naturalmente bom, é corrompido e capaz de ações vis, em o Anti-Cristo esta condição humana atinge seu ápice. William Dafoe e Charlotte Gainsbour são casados e perdem seu filho bêbe, a mulher mergulha num luto intenso, e o marido,terapeuta,tenta ajudá-la levando-a para a Floresta de Éden. Na tradição bíblica,Adão e Eva são puros no Éden até cair em tentação,e assim serem expulsos do Paraíso. No longa, o Éden é o local para se temer,estranho,onde não existe controle. O homem e a mulher voltam para casa mas apenas para constatar que a Natureza não é um local seguro,nem podem resgatar a inocencia perdida. O "caos reina",não só é o nome de um dos capítulos do filme, é a atmosfera criada por Lars Von Trier para seus personagens.
Somos compelidos a seguir a linha de racicínio do terapeuta,cada gesto desmedido da mulher,intriga,cada exercicio proposto pelo marido e seus resultados nos faz achar que estamos mais perto de descobrir o que realmente preocupa e perturba esta mulher,somente para na próxima cena convicções serem desmachadas, e voltar tudo a estaca zero. O diretor dinarmaques consegue mais uma vez num equilibrio raro combinar o envolvimento profundo que a platéia cria com seus personagens com distanciamento bretchiniano,através ,neste caso, de cortes abruptos,camera tremula,suspensão do tempo,realidades sobrepostas,fazendo com que os espectadores não sejam meramente passivos,mas que questionem a todo momento o que estão vendo na tela. Soma-se ainda neste caso particular todo simbolismo presente no longa. Animais,falas,gestos,astrologia. Confundindo quem assiste,buscando sempre a atenção de seu publico.
Na tradição cristã,nascemos todos já corrompidos devido ao pecado original,que ao contrario do que se pensa,não é o sexo,mas sim a consciencia de sua condição,criando assim no ser humano o livre arbítrio para ir e vir,deixando de ser inocente. Esta é uma questão muito tratada ao longo do filme,podemos escolher o que fazer. O terapeuta,que representa a razão,coloca esta questão a todo momento,para a mulher,que representa o instinto. Papéis absolutamente enraízados no pensamento medieval, a mulher como insáciavel,o homem como senhor da situação.Condenada já está a mulher que rompe o voto de castidade para o Cristianismo.Desejo,volúpia,luxúria,adjetivos que acompanham não uma cristã,mas sim uma feiticeira,que pela tradição é adoradora de Diana, a deusa da caça, que representa justamente a natureza. Em o Anti- Cristo, temos muitas cenas de sexo, sempre comandadas pela personagem feminina, e a Natureza é sufocante,sempre em planos gerais que faz com que os personagens sejam parte deste meio,como em simbiose. Se a Natureza é representada por uma deusa pagã,e o local do instinto não do logus,é um local perigoso,ou como a própria mulher diz, a casa do Diabo.Ou seja,trata-se de um filme sobre simbolismo e tradições europeias,e não terror,por mais que seja um bom genero,é diminuí-lo. Como é de se esperar em um filme de Lars Von Trier,algum evento desencadeia o que existe de pior no ser humano,criando uma situação limite, para no fim existir mais um ponto de virada em que as máscaras caem e o espectador se sinta no mínimo desconfortável.
Talvez seja um dos filmes mais dificeis do diretor,mas tenho certeza que Tartovsky,para quem o filme é dedicado,apreciaria.

Nenhum comentário:

Postar um comentário